Museu das Monções reabre em Porto Feliz com história viva feita de resistência e arte

Conheça a história do Batelão nascido das cinzas de um gigante Jequitibá

Após 15 anos fechado ao público, o Sítio Arqueológico Museu Histórico e Pedagógico das Monções, em Porto Feliz, reabriu suas portas, trazendo consigo não apenas a memória secular do local, mas uma poderosa história de resiliência transformada em arte. Localizado na Rua André Rocha, 91, no Centro, este símbolo nacional – que acolheu o Imperador Dom Pedro II em 1846 como “Casa Real” e depois sediou a Escola Coronel Esmédio – renasce após complexa restauração concluída em 20 de maio pelo Governo do Estado de São Paulo, revelando inclusive sua nova condição de sítio arqueológico.
A reabertura marca o fim de uma longa espera, com o museu fechado desde 2010 e interditado desde 2013. Visitantes encontram agora um espaço revitalizado, com seu acervo histórico sobre as expedições fluviais (monções) e a trajetória da cidade, uma sala para exposições temporárias (atualmente com obras de Juliano Romeu Dalsóglio) e a mostra permanente “Tietê – Rio Móvel, Estrada Líquida – o Rio, o Homem, o Lugar”.
Porém, o coração simbólico desta nova fase talvez esteja nos fundos do museu, onde repousa uma peça de profunda carga emocional e histórica: o Batelão nascido das cinzas de um gigante. Trata-se da réplica de uma embarcação típica do século XVIII, esculpida a partir do tronco de um majestoso Jequitibá-Rosa (Cariniana legalis). Esta árvore centenária, símbolo ambiental de Porto Feliz e protegida por lei, impunha-se no horizonte do bairro Xiririca até sucumbir a uma guerra desigual contra a ação humana e o fogo.
O velho gigante enfrentou anos de provações. Em 11 de novembro de 2013, um ato criminoso abriu um grande buraco em seu tronco após um incêndio. Apesar da gravidade, na época acreditou-se que a árvore centenária sobreviveria. Mas o golpe fatal veio anos mais tarde. Um novo e devastador incêndio, cuja origem permanece incerta (especula-se sobre restos de cana queimada ou um raio), atingiu o tronco praticamente ao meio. Fragilizado, o monumental Jequitibá não resistiu às intempéries. Após avaliação técnica, a dolorosa decisão foi tomada: o patrimônio precisava ser abatido.
Mas sua história não terminou ali. Após os trâmites, o tronco foi levado para o Parque das Monções. Lá, sob os olhares curiosos dos visitantes, os renomados artesãos Portela e Valdir Mateiro lideraram uma equipe em uma missão de transformação. Portela desbastou a resistente madeira com sua motosserra, enquanto Valdir Mateiro, com formão em mãos, escavou pacientemente o enorme tronco, dando forma às linhas de um autêntico batelão monçoeiro. O trabalho, executado a céu aberto, foi um testemunho público do renascimento.
O destino final deste batelão, fruto de perda e mestria artesanal, não poderia ser mais significativo: ele foi integrado ao acervo do Museu Histórico e Pedagógico das Monções. Mais do que uma réplica, é um símbolo potente. Representa a capacidade de transformar tragédia em legado, de honrar a memória da natureza e da história através da cultura. O Jequitibá que perdeu a vida para o fogo renasce como testemunha perene das monções, ancorado no museu que guarda a essência de Porto Feliz.
A reabertura do Museu das Monções, com este ícone em seu jardim, transcende a restauração de paredes. É um ato profundo de valorização da identidade cultural local. Ele reconecta a cidade às suas raízes no rio Tietê e às expedições que desbravaram o interior, celebrando também a resiliência de sua comunidade e sua habilidade em preservar memórias, mesmo as mais dolorosas, transformando-as em arte e história para as gerações futuras.
O museu está aberto para visitação de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, e aos sábados, das 8h às 13h. Venha redescobrir este tesouro reencontrado e contemplar a emocionante história do Batelão-Jequitibá – onde a madeira centenária e as mãos hábeis de artesãos escreveram um novo e comovente capítulo na história de Porto Feliz.

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