Ao longo dos anos 1980, a quadrilha comandada teria movimentado até 12 mil crianças brasileiras
A morte de Arlete Honorina Vitor Hilú foi confirmada pela família. Ela morreu em dezembro de 2023, mas a informação só foi confirmada à imprensa nesta semana. A mulher vivia em uma casa de repouso em Porto Feliz desde 2016.
De acordo com a família, ela tinha Alzheimer e já não estava lúcida em seus últimos anos de vida. A causa da morte, conforme consta da certidão de óbito, foi um “choque séptico de múltiplos focos” que teria evoluído a partir de uma infecção urinária e uma pneumonia. Ela era viúva e tinha dois filhos, de 39 e 56 anos.
Cerca de um ano antes, Arlete havia sido internada em estado grave. Segundo uma fonte próxima à mulher nos últimos anos, que pediu sigilo, Hilú nunca recebia visitas na casa de repouso em Porto Feliz e costumava vestir roupas emprestadas.
A família informou que a mulher perdeu todos os seus bens quando a casa em que morava, em Balneário Piçarras (SC), foi inundada.
Arlete Hilú ficou conhecida na década de 1980 por comandar um esquema que sequestrava bebês de maternidades. O esquema também cooptava famílias pobres para entregar ou vender os filhos por valores irrisórios.
As crianças eram vendidas no exterior, principalmente em Israel e na Europa, por dezenas de milhares de dólares. Segundo a imprensa da época, um bebê brasileiro poderia valer até US$ 10 mil. Há casos registrados de casais que pagaram ainda mais.
A cidade de Curitiba foi o foco da atuação da quadrilha. Antes de atuar no tráfico, Arlete trabalhou na Penitenciária Estadual do Paraná, de onde foi demitida em 1981.
Hilú virou curadora especial de menores, em 1983, uma atividade ligada à Justiça do Paraná, e começou a se envolver no tráfico de crianças. Ela foi condenada por tráfico de crianças, falsidade ideológica, formação de quadrilha e por retirar crianças do Brasil ilegalmente.
Arlete foi presa duas vezes, em 1988 e 1992. Em uma entrevista de 2016, quando confessou os crimes, a mulher disse ter se divertido na cadeia.
Ao longo dos anos 1980, a quadrilha de Hilú teria movimentado até 12 mil crianças brasileiras, segundo notícias da imprensa da época. Não há dados oficiais, mas a polícia fez inúmeras apreensões de bebês em residências de pessoas ligadas a Hilú, frustrando alguns casos. 37 pessoas da quadrilha chegaram a ser presas.
As diligências começaram quando um juiz estranhou o crescimento no número de adoções de crianças brasileiras por casais estrangeiros.
Entre os países que “importavam” bebês brasileiros para adoção, o que teve mais destaque foi Israel.
Não há dados oficiais, mas estimativas apontam que até 3 mil crianças brasileiras moram no país do Oriente Médio hoje, muitas delas traficadas pela quadrilha de Hilú.
Hoje, com idades entre 35 e 40 anos, crianças adotadas nos anos 1980 ainda buscam respostas. Elas querem saber quem são as famílias biológicas.
Durante entrevista ao programa Repórter Record Investigação, ela chegou a dizer que não se arrependia.
Lior Vilk, um israelense de 39 anos que aprendeu português e começou uma busca incessante, encontrou enfim a mãe biológica, então com 63 anos, em Blumenau (SC). O reencontro ocorreu em novembro do ano passado. Vilk foi sequestrado e seus documentos eram todos falsos. Quando reencontrou a mãe, graças ao cruzamento de DNA, o rapaz disse à BBC News Brasil que “a única verdade na minha história era a minha data de nascimento”. O caso de Vilk não está entre os mais comuns: na maioria dos casos, os jovens que vêm ao Brasil atrás de respostas voltam para casa sem saber mais do que sabiam quando chegaram. É o caso de Chen Levy Gavillon, que veio ao Brasil no início dos anos 2010 para tentar achar a mãe biológica. Ela só tinha o nome de um hospital de Bom Retiro (SC), onde teria nascido. Depois de visitar a cidade, a 140 km de Florianópolis, Chen chegou a um beco sem saída e não descobriu mais nada sobre os pais biológicos.