Licitação de carne para merenda escolar em Porto Feliz é investigada pelo Ministério Público

Funcionários das escolas e alunos relataram que a carne tinha cor escura e mal cheiro

O Ministério Público (MP) de Porto Feliz instaurou uma investigação para apurar eventual irregularidade na licitação de merenda escolar pela Prefeitura de Porto Feliz. De acordo com os documentos encaminhados por um denunciante ao MP, “trata-se de processo licitatório para atender as demandas da merenda escolar”, onde os vencedores foram três empresas. Outras oito empresas foram desclassificadas. “Como pode a empresa ser apresentada como desclassificada e, depois, a mesma empresa (mesmo CNPJ) reaparecer no quadro de contratada”, questiona a denúncia.
Além das dúvidas sobre o processo licitatório, outro caso que deverá ser investigado pelo MP é a qualidade do produto oferecido pela empresa vencedora. A outra parte da denúncia aborda a qualidade das carnes oferecidas pela empresa na preparação da merenda dos alunos das escolas do município. O contrato entre a Prefeitura e a empresa é em torno de R$ 1,5 milhão.
A licitação
Após a licitação – dizem os documentos encaminhados ao MP –, as empresas B.F. Distribuidora de Alimentos, Etus Alimentos e Nutrite Alimentos venceram a licitação. “Apesar de a B.F. Distribuidora de Alimentos ser vencedora, a mesma foi desclassificada, porém, mesmo assim, foi contratada”.
A denúncia segue explicando os motivos das suspeitas: as empresas que aparecem como contratadas são a Ivanil Solange Monteiro Eireli, que na verdade é a mesma empresa B. F. Distribuidora. “A empresa B.F. teve sua constituição inicial com o nome de Ivanil Solange Monteiro Eireli em junho de 2020 e foi transformada em Sociedade Limitada em novembro de 2022. Nessa transformação ocorreram algumas alterações no contrato social, dentre as mais relevantes, a saída da única sócia Ivanil e o ingresso do sócio Bruno Henrique Monteiro, além de alterar a razão social de Ivanil Solange Monteiro Eireli para B.F. Distribuidora de Alimentos Ltda.”, aponta a denúncia.
“Se foi desclassificada com a razão social correta de B.F., por qual motivo reapareceu com outra razão social de Ivanil, se ambas têm o mesmo CNPJ, ou seja, trata-se da mesma empresa”, completa a denúncia.
Atacadistas
O processo licitatório aberto pela Prefeitura buscava contratar um atacadista para fornecer carne para a merenda escolar dos alunos das escolas do município. Segundo a denúncia, o porte das empresas vencedoras é diferente de um atacadista. “As empresas vencedoras estão classificadas em seus CNPJs como atacadistas, no entanto, se observados seus endereços, estão estabelecidas em salas. Como pode um atacadista de carnes, onde supostamente deveriam ter câmaras frias enormes para congelamento das carnes, estão estabelecidas em salas? As empresas não possuem filiais para possivelmente argumentar que tais mercadorias viriam de seus depósitos”, afirma a denúncia.
Ação do MP
No despacho, o promotor de justiça, José Augusto de Barros Faro, que está designado a acumular as funções do 1º Promotor de Justiça de Porto Feliz, solicitou informações à Prefeitura. “Aponta-se, portanto, possível desvio de dinheiro e violação dos princípios da administração pública”, diz o MP.
O MP deu prazo de quinze dias para a Prefeitura explicar todos os pontos levantados pela denúncia. O prazo venceu nesta quarta-feira, 8. Até o fechamento da reportagem o MP ainda não havia enviado a resposta da Prefeitura ao jornal.
Qualidade das carnes
Outra parte da denúncia questiona a qualidade da carne encaminhada às escolas municipais pela empresa. A denúncia ressalta que a carne tem coloração escura e odor forte depois de aberta.
Para estabelecimentos que comercializam seus produtos no âmbito do estado, é necessário selo do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISP), vinculado à Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento. Segundo a denúncia, a numeração do selo existente nos pacotes de carnes enviadas às escolas municipais está como cancelada no sistema público do órgão estadual.

“As carnes são escuras e com cheiro de podre. Ninguém consegue comer. Depois de pronta, muitos alunos reclamam do gosto da carne servida”, disse um funcionário de uma escola municipal.
Carnes retiradas
Na sexta-feira (3), funcionários da Prefeitura percorreram as escolas municipais para retirar as carnes. Segundo alguns funcionários ouvidos pelo jornal O Arauto, toda a carne comprada e enviada às escolas foram retiradas de forma informal, sem o conhecimento dos diretores das escolas do município. “Eles chegaram bem no final da tarde de sexta, pegaram os pacotes e colocaram no veículo da Prefeitura. Não houve nenhum protocolo formal para a retirada dessas mercadorias”, contou um diretor ao jornal.
O que diz a Prefeitura
Questionada pelo site G1, a Prefeitura de Porto Feliz disse que não vê desacordo no processo e “sempre seguiu os ritos e tramites da legislação do processo licitatório”. Disse ainda que desconhece qualquer irregularidade no SISP das carnes, uma vez que a empresa contratada via licitação se declara idônea e “não há registros do contraditório”.
O Executivo também recebeu questionamento sobre as informações de que produtos teriam sido retirados de escolas da cidade na semana passada. “Mediante a comunicação da prefeitura via ouvidoria do MP, por prevenção alimentar, as carnes foram retiradas das unidades escolares.”
Por fim, a Prefeitura disse ao G1 que está apurando todos os fatos apresentados sobre o caso.
Celso Iversen
A denúncia encaminhada ao MP de Porto Feliz relembrou também o processo respondido pelo secretário de Educação de Boituva à época Celso Iversen. Em 2018, Iversen, o prefeito de Boituva Edson Marcusso e mais dezessete pessoas viraram réus após investigação de um suposto esquema instalado no setor de licitações da Prefeitura de Boituva.
A denúncia investigada Grupo de Atuação e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Sorocaba foi aberta em 2018. Segundo o Gaeco, entre os anos de 2013 a 2015, os réus “associaram-se para a finalidade de fraudar procedimentos licitatórios, desviar verbas públicas, aditar contratos aumentando significativamente o preço do objeto sem qualquer justifica, beneficiando-se e favorecendo empresários.
“Quadrilha”
Também de acordo com o Gaeco, “cada um a seu modo, integrava e participava da divisão de tarefas do esquema criminoso que se instalou no interior da Prefeitura de Boituva, tendo cada um deles benefícios políticos e financeiros que causaram danos ao erário público com contratações fraudulentas”.
“É correto dizer – segue o Ministério Público – que a quadrilha tinha a integrá-la todos os réus, pois se estabeleceu uma solidariedade entre eles, dividindo tarefas e agindo em reciprocidade, montando um organismo que adquiriu existência própria, dali emergindo uma sociedade de fato distinta, no plano intelectual, da figura dos sócios, com o elemento psicológico voltado para o agrupamento em si, querendo-o fixo, diferenciando-se do propósito mental de estruturar o colegiado, preconizando, por intermédio dele, a realização comum de práticas lesivas ao patrimônio público”, finaliza o MP na denúncia.

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