Desde março de 2023, a Delegacia de Polícia Civil de Porto Feliz é comandada pelo delegado titular Raony de Brito Barbedo. Formado em Direito em 2008 pela Faculdade de Direito de Itu, Dr. Raony atuou como estagiário no Ministério Público por seis anos. Após advogar por quatro anos, ingressou na Polícia Civil como investigador em 2016 e, pouco depois, foi aprovado no concurso público para delegado. Receptivo e atencioso, Dr. Raony recebeu a reportagem do ARAUTO para falar sobre seu trabalho à frente da delegacia da cidade. Entre os temas abordados, destacam-se os casos de violência doméstica, a implementação da Sala Lilás e a nova forma de atendimento às mulheres, já em vigor na unidade. Também foi discutida a criação de uma Casa Lar para mulheres vítimas de violência doméstica. O delegado explicou a complexidade dessa iniciativa e sugeriu alternativas ao município. Acompanhe a entrevista na íntegra:
O ARAUTO – Como está a instalação da Sala Lilás?
DR RAONY – Vou explicar o que está acontecendo em relação à Sala Lilás. A Sala Lilás, ou a implementação da Sala Lilás, é um plano da Secretaria de Segurança Pública Estadual. Eles têm a intenção de aumentar o número de Salas Lilás e também de criar mais delegacias da mulher. Existe até uma proposta de transformar todas as delegacias da mulher em delegacias 24 horas. Dentro desse projeto, foi encaminhado ao departamento da Polícia de Sorocaba que indicassem, se não me engano, três delegacias que teriam condições de receber essas Salas Lilás. Entre essas três delegacias, foi indicada a delegacia de Porto Feliz. O procedimento agora é o seguinte: preparamos essa sala e aguardamos os equipamentos e os links de acesso que serão encaminhados para nós. Atualmente, ainda estamos organizando a Sala Lilás, que não está em funcionamento. Estamos preparando-a, e parte dos equipamentos já foi enviada. Agora, aguardamos a conclusão desse trabalho. Hoje, a delegacia conta com uma escrivã para atendimento exclusivo de violência doméstica, que é uma funcionária estadual, proveniente do último concurso de escrivãs, e mais uma assistente social cedida pela prefeitura. Essas duas pessoas vão continuar trabalhando, inclusive quando a Sala Lilás estiver totalmente equipada, como deve ser.
O ARAUTO – O que seriam esses equipamentos?
DR RAONY – O equipamento que eles encaminharam e que já está na delegacia é um televisor com uma especificação técnica que eu não tenho domínio, e um computador. Como funciona a Sala Lilás? A Sala Lilás é um meio para realizar atendimentos via DDM [Delegacia de Defesa da Mulher] online. Portanto, o atendimento é feito remotamente por uma equipe da DDM online, e é por isso que esses equipamentos são necessários.
O ARAUTO – Os funcionários daqui entram em contato com a delegacia da mulher de outra cidade ou região através desses equipamentos?
DR RAONY – Não. A DDM online é como se fosse uma DDM fixa. Então, por exemplo, se a pessoa chega na delegacia, por algum motivo ela não quer ser atendida por aquela equipe, ela tem a opção de ser atendida por essa equipe da DDM online.
O ARAUTO – Então, o atendimento é remoto?
DR RAONY – De forma remota. Assim, na prática, eu acredito que durante o dia não vai ter uso desse sistema. Porque, como eu digo, vai estar toda a equipe aqui. Então, é muito melhor você lidar com a pessoa ao vivo, com o pessoal também aqui, o pessoal todo é treinado, do que você ficar aguardando via sistema, te chamar. Então, o atendimento pessoal seria mais rápido. Mas, por exemplo, num plantão noturno, que a equipe é reduzida, que às vezes só vai ter homem na delegacia, a vítima pode optar por esse atendimento da delegacia online.
O ARAUTO – E ela é atendida ao vivo por uma equipe de uma delegacia da mulher de outro município?
DR RAONY – Não é de outro município, é, na verdade, da sede de São Paulo. É uma equipe de lá.
O ARAUTO – Então, também haverá uma delegacia da mulher online, de forma remota?
DR RAONY – É uma opção.
O ARAUTO – E vai ter essa opção?
DR RAONY – Vai.
O ARAUTO – Já há uma data para a implementação?
DR. RAONY – Bom, eu acredito que até o começo do mês que vem já está tudo pronto.
O ARAUTO – Esses equipamentos já estão a caminho. Virá para cá?
DR RAONY – Sim.
O ARAUTO – À noite, muitos casos de violência doméstica ocorrem. Como ficará o atendimento nesses horários, já que a delegacia está fechada e só há um plantonista, geralmente homem. Ela vai conseguir entrar na delegacia?
DR RAONY – Sim.
O ARAUTO – Então, ela vai conseguir ter acesso à delegacia? Ter esse atendimento?
DR RAONY – Consegue. Na verdade, ela tem, se não está sendo atendida, algo de estranho está acontecendo. Ela pode ser atendida pela delegacia da mulher, pela delegacia do município, 24 horas por dia. O que acontece é que, geralmente, durante o plantão, há homens. E aí a pessoa prefere não ser atendida. Além disso, as pessoas que ficam aqui não estão habituadas com registros de violência doméstica. Então, muitas vezes, eles acabam orientando, dependendo da circunstância: “É melhor você vir amanhã, durante o dia, que vai ter essa equipe especializada.” Ou: “Melhor você passar antes no hospital para conseguir a ficha clínica, para já garantir que você vai ter prova de que foi machucada.”
O ARAUTO – Mas essa orientação de retornar para casa não é complicada, doutor? Sabendo que ela acabou de sofrer violência em casa.
DR RAONY – Cara, eu não tenho notícia desse sistema. Chegou aqui, acabei de apanhar. Se a pessoa apanhou, se a pessoa foi agredida naquele momento, o sujeito está em situação de flagrante. Não é uma questão de lavrar um boletim de ocorrência. É questão de acionar uma viatura para ir ao local e prender o agressor. Mesmo se a viatura chegar ao local e não encontrar o agressor, a vítima pode acompanhar os policiais que fizeram o atendimento para realizar o registro e solicitar a medida protetiva. Independentemente desse registro, se no decorrer da noite o agressor for encontrado, ele estará em situação de flagrante. Não é porque ela registrou um boletim de ocorrência antes que ele fugiu que eu não posso fazer um adendo nesse boletim de ocorrência já registrado. Assim, posso registrar a prisão dele posteriormente.
O ARAUTO – Esses casos noturnos geralmente envolvem situações que já ocorreram, e a mulher decide registrar a ocorrência naquele momento, mas não é uma violência que acabou de acontecer.
DR RAONY – Sim, mas é aquilo: eu não tenho notícia de um número de vítimas que chegam aqui durante a noite para registrar uma ocorrência que não foi em situação de flagrante. Eu atendo muitas vítimas de violência doméstica todos os dias, durante o dia, e nenhuma delas me relatou que esteve aqui à noite para fazer o registro. Acredito que a estrutura pode intimidar a pessoa a entrar. Ela chega a uma delegacia de polícia toda apagada, com só uma luzinha, sozinha. Acho que isso pode intimidar a pessoa.
O ARAUTO – Então, à noite, continuará havendo um plantonista, que será orientado a oferecer o atendimento online?
DR RAONY – Sim, o plantonista oferecerá a opção de atendimento online, mas a vítima também poderá optar por registrar a ocorrência com ele.
O ARAUTO – Quem participa do atendimento online? Além da vítima, há um delegado?
DR RAONY – Não vai ser ninguém.
O ARAUTO – Mas é um delegado lá de São Paulo?
DR RAONY – É uma equipe de São Paulo. Aí eu não posso dizer se vai ser um delegado que vai atender, se vai ser um escrivão, se vai ser um investigador.
O ARAUTO – Então, em um mês, um pouco mais de um mês, teremos isso em Porto Feliz?
DR RAONY – Sim.
O ARAUTO – E se a vítima optar pelo atendimento online durante o dia, isso será possível?
DR RAONY – Pode, mas eu acho isso muito pouco provável.
O ARAUTO – Mas se ela optar?
DR RAONY – Pode. A DDM online tem um número muito grande de atendimentos. Então a pessoa entra numa fila, ela fica aguardando a vez dela. E essa fila pode demorar muito.
O ARAUTO – Horas?
DR RAONY – Sim. Porque é o estado inteiro. Então a pessoa prefere geralmente fazer o registro pela equipe que está. Mas às vezes, dependendo da circunstância, já é só homem. A pessoa fica constrangida. E aí ela prefere esperar um pouco para fazer um atendimento com outra mulher.
O ARAUTO – Então essa Sala Lilás estará pronta em um mês. Hoje, então, não existem essa sala?
DR RAONY – Não, hoje a gente está montando a Sala Lilás.
O ARAUTO – Muitas mulheres reclamavam é ser atendida no balcão. Quando eu cheguei agora, tinha quatro homens ali.
DR RAONY – É, mas isso não acontece mais.
O ARAUTO – Sim, mas acontecia antes?
DR RAONY – Desde que montamos essa equipe, eu não sei precisar exatamente, mas acho que já faz uns três meses que elas estão trabalhando juntas. Desde que a equipe foi formada, as vítimas não são atendidas no balcão. Elas entram na delegacia e são atendidas pela Lidiane e pela Cláudia, a escrivã e a assistente social. A única coisa que acontece no balcão é que a vítima se identifica como vítima de violência doméstica. Então, o pessoal da frente avisa: “Tem uma ocorrência de violência doméstica.” O pessoal da frente nem sabe da história.
O ARAUTO – Hoje, em salas normais, pela escrivã, pela assistente social e futuramente nessas salas lilás?
DR RAONY – Sim. É aquilo. O atendimento agora está sendo feito numa sala pintada de lilás. Não é a sala protocolada.
O ARAUTO – O que que precisa ser protocolado? Ser oficializado?
DR RAONY – Precisa ser oficializado. Precisa da instalação desses equipamentos.
O ARAUTO – Treinamento também?
DR RAONY – Treinamento, não, porque o pessoal já vem treinado, já sai da academia. Na verdade, praticamente todo policial já tem treinamento para atendimento de violência doméstica, pois é uma matéria ministrada quando você faz o curso de promoção. Se você não faz esse curso de promoção, não consegue ser promovido de categoria. Portanto, quase todos os policiais têm esse treinamento.
O ARAUTO – Continua com muitos casos de violência na cidade?
DR RAONY – Continua, sim. O número de flagrantes diminuiu, mas temos feito vários registros de violência doméstica.
O ARAUTO – Quantos em média?
DR RAONY – Eu acho que hoje está quase um por dia.
O ARAUTO – Podemos colocar entre 20 e 30 por mês?
DR RAONY – Eu acredito que sim. Pelo trato aqui, às vezes você atende dois, no outro dia você não atende nenhum. Mas eu acho que se for tirar uma média, dá um por dia.
O ARAUTO – É o principal crime? Junto com o tráfico?
DR RAONY – Tem mais violência doméstica do que tráfico.
O ARAUTO – Que roubo também?
DR RAONY – Muito mais.
O ARAUTO – Que furto?
DR RAONY – Muito mais. Furto pessoal a gente quase nem registra mais, porque a pessoa sabe que dificilmente o sujeito vai ser condenado, já que a pena para furto é pequena. Além disso, os furtos praticados na cidade são de pequena proporção. Geralmente, é um usuário de drogas que entra em uma casa, pega algo e vai embora. Por isso, a pessoa acaba nem se dispondo a fazer um registro de ocorrência.
O ARAUTO – Pra finalizar, doutor. Nas redes sociais, as mulheres falam e cobram a criação de uma Casa Lar para acolher as mulheres vítimas de violência. Isso não é problema da delegacia, é uma questão de política de governo, tanto municipal ou estadual.
DR RAONY – Sim, A gente não tem competência pra atuar nisso. Isso é uma área exclusivamente social.
O ARAUTO – Não é arriscado colocar várias mulheres ameaçadas no mesmo local. É bem complexo esse projeto. Tem que ser sigiloso, ter várias estruturas sociais, mas também de segurança?
DR RAONY – Eu puxei um plantão em Sorocaba, na delegacia de defesa da mulher, alguns anos atrás. Na época, eles tinham algo parecido. Nem a polícia sabia onde era a casa. A pessoa ia lá, registrava a ocorrência, e então o policial entrava em contato com o setor responsável, que eu acho que era da Guarda Municipal. Uma equipe específica pegava a pessoa e a levava para esse lugar. Agora… não sei se esse tipo de conduta seria viável dentro de uma cidade pequena.
O ARAUTO – Teria que ser em outra cidade?
DR RAONY – Teria que ser fora daqui.
O ARAUTO – É uma questão entre prefeitura e governo de estado. A verdade é essa?
DR RAONY – Entre prefeitura e governo de estado, eu sei que para criação parece que precisa de uma lei. De uma lei municipal regularizando como que vai ser, por exemplo, existe o aluguel social. Não necessariamente precisa a prefeitura ter uma Casa Lar como abrigo. Existe o aluguel social. Então, me disseram que pra isso precisaria de uma lei municipal para viabilizar esse tipo de locação. Pelo que eu soube, existe já esse projeto na Câmara. É uma informação que eu tive meio que superficial. Que existiria esse projeto. Agora não sei te dizer em que pé que está nem quando que foi proposto.
O ARAUTO – Além do aluguel social, a mulher teria, como respaldo na sua segurança, o Botão do Pânico, a medida protetiva. Essa seria a forma mais rápida e eficaz, antes de discutir a criação de uma Casa Lar, que é mais complexo?
DR RAONY – Sim. As pessoas buscam muito pela medida protetiva. Eu acho que o que tem se mostrado resultados melhores, lógico, decorrente da medida protetiva, é justamente o botão do pânico. Porque o fato do cara saber que ela tem um caminho rápido pra acionar as forças de segurança, isso inibe ele.
O ARAUTO – Seria mais interessante, no momento, a regularização do aluguel social as mulheres vítimas de violência doméstica?
DR RAONY – Sim. Eu sei que a prefeitura já paga aluguel social para famílias que estão em situação de risco, com filhos e tal, mas para vítima de violência doméstica, até onde eu sei, ainda não tem.
O ARAUTO – O aluguel social acaba sendo até mais interessante para tirar a mulher da casa, para encorajar e proteger mais mulheres a denunciar?
DR RAONY – Sim. Mas pesquise sobre isso, pois não tenho certeza se já existe…
O ARAUTO – Iremos pesquisar. Obrigado pela entrevista.
DR RAONY – Obrigado, você.
ENTREVISTA: “Em um mês, teremos a Sala Lilás e a Delegacia de Defesa da Mulher Remota”
