Convívio prolongado e o consumo de álcool transformam o domingo à noite em um pesadelo aterrador para dezenas de mulheres
No silêncio de domingo, enquanto muitas famílias em Porto Feliz aproveitam o descanso do fim de semana, o domingo à noite se transforma em um pesadelo aterrador para dezenas de mulheres. Dados chocantes revelam que a maioria dos casos de violência doméstica no município explode justamente nos finais de semana, com um pico arrepiante nas noites de domingo de terror.
Esse cenário não é uma simples coincidência, mas o reflexo de uma combinação cruel: o convívio forçado entre agressor e vítima, o álcool que inflama a brutalidade e a imposição violenta de poder masculino, que transforma lares em campos de guerra.
Os números, obtidos pelo Jornal O Arauto e confirmados pelas autoridades locais, mostram que os crimes mais frequentes são ameaça, injúria e lesão corporal – marcas invisíveis que doem mais que os hematomas. O delegado titular Raony de Brito Barbedo afirma que a violência doméstica é o crime que mais assombra Porto Feliz, superando até mesmo o tráfico de drogas. São mais de 300 registros por ano, uma média de quase um caso por dia. Mas as noites de domingo manchado de sangue concentram um número assustador dessas agressões, muitas cometidas por homens que juraram amor, mas impõem terror.
Esse padrão macabro segue uma tendência nacional: um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revela que 22% das agressões acontecem aos domingos, seguidas pelos sábados (17%). Ou seja, quando a rotina diminui e as famílias deveriam estar unidas, o perigo para as mulheres se multiplica.
Os motivos por trás desse horário mais perigoso são devastadores. O convívio prolongado dentro de casa transforma pequenas tensões em explosões de violência. O álcool, consumido em excesso nos finais de semana, serve como combustível para a agressão. Os jogos de futebol, muitas vezes acompanhados de bebedeira e discussões, acirram comportamentos violentos. E o ciúme e o controle, que se intensificam nesses momentos, alimentam a ilusão de posse sobre a mulher, culminando em ataques covardes.
Enquanto a violência cresce, as vítimas são abandonadas à própria sorte. No Brasil, apenas 8% dos municípios têm delegacias da mulher, e a maioria não funciona à noite ou nos finais de semana. Em Porto Feliz, a falta de estruturas especializadas deixa as mulheres completamente desamparadas. “Não há justificativa para a agressão. O homem não bate porque bebeu, mas porque é violento e escolhe o momento para extravasar”, alerta Samira Bueno, do FBSP, em um recorte doloroso da realidade.
O ciclo de horror se repete. Muitas mulheres só buscam ajuda depois de sofrerem inúmeras agressões – e, mesmo assim, enfrentam barreiras para conseguir proteção. Promessas de políticas públicas, como a implantação de uma Delegacia da Mulher, continuam apenas no papel, deixando as vítimas encurraladas. Em alguns casos, serviços públicos inexistentes e delegacias fechadas no fim de semana as impedem de pedir socorro. Pior: o agressor, com mais tempo “em posse” da vítima, neutraliza qualquer tentativa de reação ou fuga. É quando as delegacias especializadas estão fechadas, as ruas desertas, e a polícia ocupada com outros crimes.
Enquanto não houver uma mudança real, com mais investimento em prevenção e acolhimento, as noites de domingo continuarão sendo, para muitas mulheres, horas de puro terror dentro do que deveria ser seu refúgio.
É preciso agir agora – antes que mais vidas sejam dilaceradas pela violência que não escolhe dia, mas sabe muito bem quando atacar.